domingo, 13 de março de 2011

Scliar no jardim




Se pudesse comentar comigo o título desse artigo, Moacyr Scliar, antes de
mencionar o seu “Centauro”, lembraria que “jardim” é uma expressão
recorrente na tradição judaico-cristã, duas das grandes matrizes do Ocidente
contemporâneo. De um lado, o Jardim do Éden, onde esteve o homem, antes
de ser colocado na Terra, para cultivá-la. Um sinônimo de “paraíso”, um lugar
onde tudo funciona às mil maravilhas, sem defeito algum. Paraíso lembra o
“pomar das romãs”, por onde místicos se aventuravam, ainda que com
suprema disciplina, a contatos inefáveis com o Transcendente e o Absoluto.

Não li todos os livros que ele escreveu, mas curti muito sua chegada à
Academia Brasileira de Letras, um sopro de ar puro, genuíno, em meio a
fardões, marimbondos e naftalinas variadas. Sua obra tem um perfil que
poderia ter-lhe valido, não tenho dúvida, o Prêmio Nobel. Ao abordar, a partir
de sua profissão de médico, a natureza humana, o fez de forma singular:
mesclou o humor judaico, sempre misturado com o insólito e as aporias da
História, com o jeito brasileiro urbano de ver o mundo. Em língua portuguesa
isto é único.

Paira em sua obra, como se fora fundo de obra visual, o sentimento do exílio e
a estranheza do cotidiano. E como isto é tão gaúcho! Temos, aqui, uma
epopéia onde de um ângulo aparecem os retirantes, de outro, os pioneiros.
Assim é que os gaúchos rejeitados, na prática, pelos limites socioeconômicos
do nosso Estado, principalmente a partir do Noroeste das “colônias novas”, se
transmutaram nos pioneiros que estão a cimentar o Brasil, pelo interior numa
articulação que vai do Oeste de Santa Catarina aos longes da Amazônia e do
interior do Nordeste. Um exílio que transborda o Rio Grande do Sul por todo o
Brasil e torna nula a veleidade separatista que já pululou entre nós.

Pois que Moacyr, nas entrelinhas, também captou isto, com a sutileza de sua
crônica urbana e suas raízes no Bom Fim porto-alegrense, onde as metrópoles
também trazem a sensação de exílio em meio às suas multidões. Mas, isso
tudo aspira a uma solução, a uma redenção, a uma utopia. Para Moacyr, a
utopia da Liberdade. Agora, defrontando a finitude, um jorro de emoções com
mais cores que as do espectro visível para nós e uma certeza que fica: Moacyr
Scliar, o Centauro, está no seu Jardim, na corrente da Eternidade, como era o
seu destino.
[Foto: 3.5.2010, 37.ª Feira do Livro de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil]

Scliar, uma tonalidade literária

Acompanhei, pela internet, em conversa com o Roberto, o dia em que Moacyr tomou
posse na Academia Brasileira de Letras. Ele no Rio de Janeiro, eu em Porto Alegre. Foi
um dia particularmente gratificante: já fazia um tempo que eu comentava em voz baixa
que Scliar era a grande oportunidade de o Rio Grande do Sul sentar-se na Academia, se
não até mais do que isso.

A roda do Tempo não permitiu que ele chegasse ao Prêmio Nobel de Literatura, que eu
antecipava possível e, com certeza, muitíssimos de seus leitores, mundo afora,
gostariam.

A confluência de seu talento como escritor com a sua formação de médico voltado para
a saúde pública, com a sua inserção cultural judaica no ambiente em transformação de
Porto Alegre, trouxe-lhe uma situação “personalizada” no conjunto dos escritores
gaúchos.

Foi apanhado em cheio pela consolidação de Porto Alegre como metrópole, um dos 10
pólos macrorregionais que polarizam o Brasil. De capital provinciana a metrópole
aberta para o mundo. O Bom Fim, desta forma, teve ampliado o seu horizonte. A obra
de Moacyr Scliar agradece tudo isto e nos encanta.

Tive ocasião de estar-lhe próximo em três ou quatro das vezes em que esteve em nossa
cidade. De nenhuma me arrependo. Santa Maria ficou mais rica com suas vindas e seus
bate-papos voltados para todos, em particular para os acadêmicos de nossas faculdades.
Ano passado, na 37.ª Feira do Livro, em noite de chuvarada, ele deu o ar de sua graça.
Foi nosso derradeiro encontro.

Se a Música pudesse ser o parâmetro para as demais Artes, diria que Scliar, na
literatura, demarcou uma obra de cadência notável e de uma tonalidade singular. Uma
obra aberta para o mundo de todas as culturas, mesmo quando perfumando suas páginas
com valores bem identificados com sua vida. Valores que remanescem entre nós, seus
leitores. Valores com validade por prazo indeterminado.

A finitude & Moacyr Scliar

Saber-se finito, limitado, mortal, eis algo que teoricamente todos e cada de um de nós
deveria saber e ter consciência disto o tempo todo. Não é o que acontece, todavia.
Sempre somos surpreendidos pela Realidade.

Até “imortalidades” criamos para uns poucos, como os integrantes das academias
literárias, mas, exatamente, não passam de imortalidades “literárias”.

Os fatos se sucedem, como na guerra do trânsito, nas seqüelas do tráfico de drogas, na
violência que bem humanamente nos acomete no Brasil e choca pelo número de mortos
a cada ano, na casa dos milhares, como se de fato estivéssemos numa guerra
convencional ou assimétrica. Sem falar nos tantos que são ceifados por doenças para as
quais não temos solução.

Mesmo assim, as mídias nos apresentam um modelo de sociedade que só tem jovens,
pouco mais que adolescentes. Quase que dividindo nossa população em “jovens há mais
tempo” e “jovens há menos tempo”, tais são os apelos comerciais de toda ordem. Um
solene desrespeito à realidade e às estatísticas demográficas.

Via de regra apenas quando os acontecimentos nos são próximos saímos da
massificação e nos damos conta do valor das pessoas e de nós mesmos.

A morte de Moacyr Scliar oferece, então, uma oportunidade de repensar nosso mundo,
diante da finitude, manifestada em personagem público e importante. Um personagem
muito próximo de todo o público leitor. Daqui e de muitos pontos do planeta.

Martin Buber fornece a ferramenta de análise. Ou o espaço humano é enquadrado num
plano dialógico, do tipo Eu-Tu, ou, como na maioria das vezes, se esvai num plano de
manipulação e descartabilidade, do tipo Eu-Isso.

Na busca de superar os dilemas reais da experiência humana, os livros de Scliar
apontam para um dialógico Escritor-Leitor, não manipulativo, sem descarte e sem o
domínio da falsidade. Esta lição sintetiza sua carreira literária e aponta para o mundo
que pode ser melhor para todos nós, mesmo que não esgote o tema, inobstante as
dificuldades, os tropeços e a morte.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Como pode terminar a república?

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Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2788002.xml&template=3898.dwt&edition=13976&section=1012

Zero Hora, Porto Alegre - RS, 25.1.2010, N.º 16.226


Pode terminar na sarjeta


Paulo Brossard *


Como é sabido, com o objetivo de sanear o espaço eleitoral e imobilizar na medida do possível o abuso do poder, econômico ou de outra natureza, de origem privada ou oficial, a lei estabelece a estação eleitoral, fora da qual é ilícita atividade de pessoas e partidos com este objetivo, sem embargo de atividades funcionais de uns e outros. À sombra desse território, pode haver abusos dissimulados tendentes a buscar vantagens que a lei visou a coibir. Lembro-me de caso antigo ocorrido aqui em que um empresário que viria a ser candidato aumentou significativamente a publicidade de sua firma individual, que levava seu nome, e que a Justiça Eleitoral negou o registro da candidatura pretendida sob o fundamento de abuso mediante propaganda mascarada. Mas há outros expedientes envolvendo poder público, em última análise, o erário.

A publicidade estatal é a maior, salvo erro meu, e é a maior porque, direta ou indiretamente, o Estado é o maior empregador, arrecadador e gastador, sem falar nas bolsas pelas quais milhares de pessoas são beneficiadas em razão de suas carências, supostamente, e isso, obviamente, abre espaço ao surgimento de alguns padres cíceros ou madres terezas, maiores que os originais. Quem exercer cargo e função relevantes tem oportunidade de locupletar-se eleitoralmente e até financeiramente que o comum das pessoas não tem; pode valer-se dessa possibilidade ou não. É por isso que a lei veda que o nome do administrador apareça até em placas referentes à feitura de uma obra, cadeia, escola, estrada ou coisa que o valha.

Tudo isso é sabido e ressabido. No entanto, o que está acontecendo no Brasil é coisa muito mais grave de que uma placa afixada em um pedaço de obra pública.

Começa que o presidente Luiz Inácio, mercê de suas múltiplas facilidades, não é homem de sete instrumentos, pois é de todos os instrumentos, e deles vem fazendo uso dilatado e sem recato. Há algum tempo é chefe de Estado e chefe de governo, chefe de partido e eleitor de chefes partidários e, tornando-se sucedâneo unipessoal de convenções partidistas, escolhe, ele só, candidato à própria sucessão, como ao tempo do Estado Novo (previsto mas nunca executado), e, em vez de descansar, como o Criador após criar o Mundo, insatisfeito, assumiu o patrocínio de sua elegante candidata. E antes que os maldizentes dissessem que ele estava fazendo o que entre as muitas atribuições do presidente não figura, o de fazer-se empresário de uma candidatura por ele fabricada, deu início à sua campanha formal, como se não houvesse lei a respeito.

A pretexto da inauguração de obras, a candidata do presidente entrou em ação e bateu como a língua nos dentes e... botou fogo no paiol. Atribuiu a eventual concorrente o propósito de extinguir o Bolsa-Família e não sei mais o quê.

Foi o suficiente para levar algumas pedradas e assim começou uma campanha sucessória em torno da Presidência da República, tendo como ator principal o denominado “primeiro magistrado da nação”. Não começa bem e pode terminar mal.

A propósito, lembro-me de ladino mercador que, na eleição já ao final do Estado Novo, difundiu que o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato oposicionista, dissera não precisar do voto de marmiteiros, o que era falso, como o difamador confessou mais tarde. Agora vem o presidente asseverar “nós vamos ganhar para dar continuidade a essas coisas, porque se para, se para tudo o que está acontecendo neste Brasil e a gente volta ao passado, todo mundo sabe como é que é”. Compreende-se que um flibusteiro dissesse o que disse em 1945, mas que o presidente da República, em inauguração convertida em comício, diga coisa semelhante para justificar a eleição de sua candidata, reduz-se a marqueteiro de sua candidata. Começando assim, termina na sarjeta. E o presidente não pode descer a ela. Ninguém ganha com isso. Nem ele.

* Jurista, Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
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Comento:

sábado, 16 de janeiro de 2010

J. Bicca Larré, sobre o mundo e o Brasil de hoje: "Revolução passiva" . . .

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Fonte: http://www.clicrbs.com.br/dsm/rs/impressa/4,1304,2778797,13928

Diário de Santa Maria, Santa Maria - RS, Caderno MIX, 16.1.2010, N.º 2396, p. 9


Revolução passiva

Parece curioso que tenham praticamente desaparecido de cena as palavras “comunismo” e “comunista”. Curiosamente, o desuso é dos próprios comunistas e dos seus contumazes opositores.

Isso veio com a queda do muro de Berlim e o fracasso do regime comunista da União Soviética. A sobrevida do regime ficou restrita à China moderna e quase capitalista. Na América do Sul, a partir do moribundo regime cubano, irradiaram-se várias tentativas, não mais de comunismo, mas de socialismo.

A Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro, coadjuvado por Che Guevara, foi o último exemplo de implantação de regime comunista por meio da luta armada e sangrenta.

Cessaram então as tentativas esquerdistas? Não. Apenas mudou a tática. Não mais os manuais leninistas e stalinistas de promover a união operário-camponesa, armar e doutrinar os trabalhadores e levá-los a aventuras como as guerrilhas urbanas e rurais, que tanto sangue já fizeram jorrar, em lutas fratricidas e inconsequentes.

Antônio Gramsci (1891-1937) foi um pensador, jornalista, sociólogo, pesquisador e escritor italiano, que passou muito tempo preso e foi um dos fundadores do PCI. Entre outras obras, escreveu Os cadernos do cárcere, em que se opunha aos métodos revolucionários do marxismo, do leninismo e do stalinismo. Defendia uma única via possível de tomada do poder: a “revolução passiva”, sem armas, sem sangue. Segundo ele, era possível alcançar a hegemonia do poder, pela própria democracia, com atos “democráticos”, por meio de decisões aparentemente legais, tomadas por decisões das supremas cortes e do poder congressual. E essa é a praxe atual, usada por Hugo Cháves, Evo Morales, Lula etc. Quem pode dizer que Chaves não foi eleito democraticamente e que sua perpetuação no poder não foi aprovada pelo Congresso Venezuelano? Quem pode dizer que o bigodudo Manuel Zelaya não foi eleito pela vontade da maioria dos hondurenhos e que seu governo não era legítimo?

Assim, os atos chamados “democráticos”, praticados ou tentados por lá e por aqui (contra a liberdade de imprensa, ou como o projeto mais recente de criação do programa de “Direito à Memória e à Verdade”) sempre trazem um artifício, um ardil, uma arapuca escondida, como o punhal de Brutus sob a toga do senador romano. Essa é a técnica pregada por Gramsci em 35.
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Comento:

Nota Oficial do Instituto Brasileiro de Estudos Monárquicos do Rio Grande do Sul

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Fonte: http://www.ibem.org/artigos/editorial/Nota-do-IBEM.pdf




Instituto Brasileiro de Estudos Monárquicos do Rio Grande do Sul
Fundado em 20 de Agosto de 1985


Está patente, na imprensa ainda livre deste País, com a qual nos solidarizamos preliminarmente, que está por se consumar grave atentado contras as instituições brasileiras, através do Decreto n.º 7.037, de 21 de dezembro de 2009, DOU de 21.12.2009, que "Aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3 e dá outras providências", complementado por instruções que o acompanham, desfiguradoras da ordem constitucional vigente.

Diante disto, suprapartidariamente, não podemos nos calar, enquanto cidadãos e enquanto instituição voltada para o aperfeiçoamento do nosso País, fundada que foi em 20.8.1985, na perspectiva da redemocratização de nossa Pátria.

Além da hipertrofia do Executivo, já descrita, tecnicamente pelos cientistas políticos, temos a assunção de poderes extraconstitucionais, absolutistas, configurados na vontade de um grupo de iluminados que pretendem ter todo o poder para si, sem mandato, fora da lei, sem legitimidade alguma.

Basta de atentados à Democracia. Basta de voluntarismo fora da Lei. Basta de querer empurrar o Brasil para o século XIX dos utopistas e dos revolucionários sem outro fundamento que o de suas criações mentais.

O IBEM-RS, Instituto Brasileiro de Estudos Monárquicos do Rio Grande do Sul, voltado para o estudo e a promoção da organização política do Brasil sob o regime monárquico, parlamentar, democrático e federativo, PROTESTA, veementemente, contra as tentativas de extinção sorrateira do Brasil, contra a submissão a propostas oriundas de organismos internacionais espúrios e contra a tentativa de golpe, via decreto, das instituições nacionais.

Porto Alegre, 11 de janeiro de 2010

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Comento:

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010